A Neurologia possui uma “reputação” globalmente uniforme no que tange à educação médica: Poucas pessoas gostam e/ou conseguem aprendê-la na graduação. Digo “aprendê-la”, mas a verdade é que ninguém é capaz de dominar de modo inequívoco toda uma Ciência, o que inclui a Ciência Neurológica, mesmo com anos e anos de estudos dedicados exclusivamente à área. No entanto, quando se compara o nível de aprendizado de Neurologia na graduação ao nível de aprendizado de outras áreas, percebe-se um abismo de diferença (muito provavelmente pela ausência de didatismo por parte daqueles que ensinam). Isso reflete diretamente na capacidade de alguém gostar da Área, ao que se dá o nome de Neurofobia (Neurophobia), termo cunhado em 1994 por Jozefowicz na revista americana JAMA Neurology e que posteriormente foi estudado mais a fundo com intuito de tentar melhorar o ensino da Neurologia para graduandos em medicina, já que viu-se que de cada 2 estudantes de medicina, 1 não gosta e consequentemente pode não se sair bem em testes de conhecimento da área.
Ao mesmo tempo em que a Neurofobia é uma realidade, há um certo apelo pelo desconhecido, muitas vezes pelo “difícil” ou simplesmente pelo Cérebro e suas apresentações de doença, e a este “fenômeno” chamamos de Neurofilia (Neurophilia). Para ilustrar melhor, usarei dados retirados de um artigo publicado em 2012 na Practical Neurology:
Perceba, por mais que as Doenças Neurológicas não imponham grande porcentagem de impacto global de doença comparado a outras grandes áreas, há uma discrepância na quantidade de casos relatados em grandes revistas médicas e na quantidade de livros disponíveis para se ler sobre Neurologia, e a explicação para isto não é óbvia, mas talvez esteja relacionado à forma como as Ciências Neurológicas podem ser chamativas:
- Pela diferença quando comparado a outras áreas, que tendem a ser mais “matemáticas”: Aferição de pressão arterial na Cardiologia e dosagem de glicemia na Endocrinologia, por exemplo;
- Pela variada forma de aparecimento de problemas, podendo acometer todo o organismo de forma diferente na mesma doença: Um AVC pode apresentar-se de diversas formas, com dificuldade de movimento, linguagem, coordenação, visão, etc;
- Pelas incertezas que a área ainda apresenta: Há diversas doenças sem explicação para seu início, sem tratamento específico e sem história natural clara.
Mostra-se a dualidade entre o “ame ou odeie” a Neurologia: Por mais que haja muita atenção por parte da literatura mundial acerca das Ciências Neurológicas, existe uma fuga dos médicos em entender como ela funciona e em como as doenças neurológicas se apresentam. Se aqueles que deveriam indicar corretamente e elucidar as dúvidas dos pacientes não conseguem fazê-lo de forma adequada, como fica o paciente que não possui obrigação alguma em saber como seu organismo funciona e busca a solução no seu médico assistente?
E o quanto isso afeta a prática clínica do Neurologista? No contexto geral, dado o desconhecimento tanto por parte de médicos quanto pela população do papel do Neurologista dentro da medicina, duas situações se tornem comuns à prática médica:
- Encaminhamentos equivocados de pacientes para o Neurologista devido a alterações que não são primariamente neurológicas, muitas vezes com a sensação de que “se eu, médico, não sei, encaminharei para alguém que talvez saiba”, ou o oposto
- Algo com grandes chances de ser Neurológico não é visto primeiramente por um Neurologista.
Isto não deveria ser algo estranho, já que ninguém tem domínio sobre todo o conhecimento, podendo haver avaliações por outros médicos de situações neurológicas ou avaliações gerais por um médico neurologista. No entanto, a frequência com que isso acontece é bastante alta. Como exemplo simples, uma pessoa qualquer que tenha uma dor no joelho busca um Ortopedista para ser avaliado; todavia, um paciente com Dor de Cabeça, muitas vezes, passa primeiro com Oftalmologistas (para desespero destes, que sabem que dores de cabeça geradas por problemas oftalmológicos são exceção) e só então busca um Neurologista.
De certo, algo tem que ser feito para mudar essa dicotomia, trazendo luz a toda essa obscuridade, incluindo maior atenção durante a graduação em medicina para melhorar a qualidade do ensino e elucidação da população sobre como a Neurologia atua no dia-a-dia e como o Neurologista pode ajudar a melhorar a qualidade de vida das pessoas ao trazer diagnósticos precisos e tratamentos adequados aos vários problemas encontrados.