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Doutor, e essa Dor de Cabeça que não passa?

Não é incomum em um atendimento corriqueiro de consultório aparecer um ou mais pacientes com a mesma queixa: “Doutor, e essa Dor de Cabeça que não passa”?

Normalmente, a pergunta não é prontamente respondida, mas parte-se do pressuposto que algo não está correto e por isso a dor não passa. A descoberta deste “algo” nem sempre é fácil, sendo feito uma contra-pergunta: “O que você fez, ou deixou de fazer, antes do início da dor que poderia fazer essa dor não passar”.

O susto com a contra-pergunta na face do paciente é costumeira, sendo possível as vezes deduzir pelo semblante do paciente o que se passa na cabeça dele: “Ué?! Mas eu vim aqui para descobrir, por que você está me perguntando ao invés de me responder?”.

Existe uma dissociação entre a causa da dor e a realidade que a pessoa se depara em seu cotidiano. Imediatamente a uma dor incessante, o primeiro pensamento que vem é o de “algo está errado com meu Cérebro”, como a possibilidade da existência de um tumor ou de um aneurisma, por exemplo, afinal, quem nunca ouviu falar de uma pessoa que teve uma dor de cabeça muito forte e rapidamente faleceu?

Toda dor de cabeça nova ou refratária demanda atenção pormenorizada por um especialista, isso deveria ser senso comum, já que a quantidade de causas para dores de cabeça são diversas e o tratamento voltado para a motivo do problema é muito superior àquele voltado exclusivamente para a retirada da dor (analgesia). No entanto, se formos atrás da incidência (quantidade de pessoas com novos sintomas de dores de cabeça) e prevalência (total de pessoas que tem ou tiveram dores de cabeça) em um determinado tempo, veremos que a chance de a dor dever-se a alterações estruturais do cérebro (incluindo aneurisma ou tumor) é bastante baixa, então por que a dor não passa?

Novamente, a contra-pergunta vem à tona: “O que você fez, ou deixou de fazer, antes do início da dor que poderia fazer esta dor não passar?”. Essa pergunta é quase um mantra na minha cabeça. Mudanças na rotina, Alterações de Sono, Alimentação irregular tanto no quesito tempo quanto de conteúdo, Cessar exercícios físicos, Uso ou retirada de medicações, Traumatismo craniano (bater a cabeça, mesmo que levemente), Estresse, Problemas no trabalho, Problemas familiares e outras muitas alterações podem fazer com que aquela velha dor de cabeça, já conhecida há muito tempo, evolua com refratariedade, de modo que medicações analgésicas que antes conseguiam acabar com a dor passem apenas a aliviar um pouco o quadro, ou mesmo pararem de fazer efeito.

É claro que existem dores de cabeça de difícil controle que precisam de intervenção maior e dores com sinais de alarme que levam o médico a solicitar investigações com exames. Quantas vezes, ao procurar causas secundárias para dores de cabeça, foi possível encontrar os famigerados e temidos tumores e aneurismas. No entanto, mesmo ao encontrá-los, a chance de serem a causa da ‘dor de cabeça que não passa’ é baixa. O mecanismo de dor muitas vezes nada se relaciona com a presença dessas alterações – que são sempre valorizadas, ainda mais no contexto clínico geral – devendo ser encaradas como um achado e tratadas conforme a necessidade.

Os mecanismos de dor das Dores de Cabeça mais comuns na prática clínica acontecem pelas mudanças que temos no nosso cotidiano. A falta de um sono reparador pode fazer com que interpretemos uma dor leve como sendo algo maior (alteração de sensibilização); a falta de exercícios físicos pode diminuir a reparação muscular além de, per si, também alterar a tolerância a dor; vários medicamentos podem causar dores de cabeça ou piorar dores já existentes; o estresse do dia-a-dia além de alterar o sono pode piorar dores no corpo todo, incluindo a cabeça.

Em suma, é importante sempre dar atenção ao próprio corpo, lembrar que não somos máquinas e necessitamos de cuidados e momentos de descanso. Nosso cérebro é movido por várias rotinas, incluindo rotina alimentar, de sono, de exercício físico, de descanso, de lazer e de relações interpessoais. O ato de supervalorizar a dor e de ignorar o próprio corpo muitas vezes leva a interpretações errôneas da realidade, com maiores dificuldades de atingir o tratamento adequado e a qualidade de vida que desejamos.