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Como “encarar” o processo de envelhecimento cognitivo

Se existisse alguma fórmula mágica que garantisse que jamais envelheceríamos, ou mesmo ainda, que mantivesse nossas capacidades cognitivas intactas a despeito do curso inexorável do tempo, com certeza estaríamos diante de um milagre, ou de algo semelhante ao descrito em contos diversos, como o Santo Graal ou a Pedra Filosofal.

Todos queremos que nossa capacidade cognitiva melhore ao longo dos anos, mas chega um ponto em que ocorre o inverso. A medida que envelhecemos, nossa capacidade cognitiva se deteriora. Não é algo tão controverso assim, apesar de podermos melhorar pontualmente, principalmente no início dos nossos anos, ao ler, estudar, praticar exercícios físicos e dormir adequadamente, atingiremos um ponto em que por mais que leiamos, estudemos, pratiquemos atividade física e durmamos o melhor dos sonos, o resultado ainda será de envelhecimento.

Não pretendo neste texto ser pessimista, cataclísmico ou causar espantos, mas adequar a realidade que esperamos à realidade que temos, e mais ainda, tentar entender o “encarar” o envelhecimento cognitivo de forma translúcida e natural.

Provavelmente, se você está lendo este texto, não está passando por nenhuma dificuldade cognitiva maior que justifique uma preocupação quanto a um envelhecimento a curto prazo, mas pode estar se deparando com alguém próximo apresentando tais alterações, e não há forma melhor de entender e aprender a “encarar” o declínio cognitivo do que vivenciar esse fenômeno em outra pessoa.

É doído falar isso, mas para quem está perdendo verdadeiramente a capacidade cognitiva, muitas vezes não há o sentimento de “perda”. Quem evolui com alterações de memória (mnésticas) acaba por não “lembrar” que está esquecendo, ou quando o faz não acontece para as coisas que realmente importam, e ver isso acontecer com alguém próximo, que amamos, causa um sentimento de impotência e tristeza.

Atente-se, “esquecer” um objeto ao sair de casa, a princípio, não significa perda cognitiva, mas provavelmente um episódio de desatenção – vá dizer que nunca procurou algo que estava tão próximo de você que “se fosse uma cobra, teria sido picado”? Claro que, se estes episódios são frequentes, incômodos ou geram desconforto, é importante que seja melhor avaliado por um especialista.

Então, como “encarar” o envelhecimento cognitivo de quem amamos. Este processo é insidioso, lento e progressivo, inicialmente para atitudes mais complexas do dia-a-dia, como lidar com dinheiro ou com as relações interpessoais. Posteriormente pode haver alterações visuoespaciais, que incluem dificuldade de se deslocar no espaço, perdendo-se com maior facilidade, ser incapaz de entender o tridimensional ou de construir objetos simples (até mesmo na montagem de um prato de comida, por exemplo). Em algum momento, podem iniciar os esquecimentos, em que a pessoa começa a apresentar atitudes que destoam do padrão normal, falando repetidamente o mesmo discurso, esquecendo nomes de objetos simples do cotidiano ou de pessoas próximas. Há ainda alterações comportamentais, com alguns pacientes demonstrando maior agressividade e outros mais apatia, e ainda há aqueles que podem oscilar entre ambos a depender do momento do dia. Durante a evolução pode ainda aparecer comprometimento na orientação temporal e espacial, com a perda da capacidade de se encontrar no tempo e no espaço, não sendo mais capaz de dizer em que dia da semana estamos ou mesmo em qual cidade nos encontramos.

Todas as alterações são importantes e podem ser interpretadas sob a ótica do envelhecimento. A depender de como foi a vida de cada um, podemos ter mais um sintoma que o outro, ou mesmo uma mudança no padrão de aparecimento de cada sintoma, mas uma coisa nunca deve mudar: o cuidado.

Cuidar daquele(a) que apresenta estes sintomas, que chamarei a partir deste ponto do artigo de “Perdas de Funcionalidade“, deve ser a atitude mais importante que devemos tomar. O simples fato de estarmos presentes ameniza as perdas de funcionalidade e traz aconchego e acalento a quem precisa. Parece óbvio dizer isso, e de fato o é, mas a presença é o que mais consegue amenizar toda e qualquer perda de funcionalidade.

Para as perdas de funcionalidade mais específicas, algumas atitudes podem ser o diferencial para a manutenção da qualidade de vida:

(1) Em caso de dificuldade visuoespacial, trabalhar a construção de idéias e objetos ao longo do dia, tentar auxiliar na identificação daquilo que está perto e do que está longe;

(2) Em caso de dificuldades construtivas, dê a permissão para que a pessoa possa fazer aquilo que deseja, desde que não a coloque em risco. Por exemplo, não é interessante permitir que quem tem dificuldade construtiva lide sozinho com objetos cortantes ou maquinários pesados, mas tolí-la completamente de realizar aquilo que um dia foi de fácil construção pode trazer mais dificuldades e atrapalhar no convívio social;

(3) As alterações comportamentais são de difícil manejo e tolerabilidade, e uma forma de amenizá-las é pela manutenção da rotina, de modo a auxiliar na orientação durante o dia;

(4) Para aqueles que já não mais sabem em que dia estamos ou em que lugar estamos, manter um diálogo frequente e lembrando de data, hora e lugar é algo simples e prático que diminui a sensação de perda e

(5) Os esquecimentos frequentes, estes podem ser bastante difíceis de lidar, as vezes sendo considerados “teimosias” por alguns desavisados ou já cansados de ver as repetidas peripécias causadas pelo fato de a pessoa nem sequer lembrar de que algo já foi feito ou dito anteriormente. Para lidar melhor, a paciência deve ser trabalhada a cada dia, a cada instante. Jamais aumente o tom de voz, jamais bata de frente, mas guie, cuide e sorria com um sorriso gentil, pois a resposta certa, que serve para todos, para lidar com isso infelizmente não existe.

Tais medidas auxiliam bastante a termos melhores momentos juntos àqueles que já padecem de perdas cognitivas, e saiba que há remédios que podem aliviar um ou mais dos problemas que as perdas de funcionalidade trazem ao paciente. Lembre-se ainda que existem terapias multiprofissionais (psicologia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, musicoterapia, arteterapia, fisioterapia, etc) que podem mudar drasticamente o cuidado do paciente.

Não desanime, cuidador(a), você também merece se cuidar, mas encare a vida de forma leve, para poder encarar o tempo, este inexorável, e auxiliar àqueles que precisarão da gente.