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Medicações para Doença de Alzheimer, onde estamos e para onde vamos

Já há uma postagem aqui sobre como Alois Alzheimer descreveu a doença que levou seu nome nos idos dos anos 1900. Agora o foco é sobre a evolução do tratamento da Doença de Alzheimer e até onde poderemos chegar num futuro próximo.

Em 1947, uma substância alcalóide foi isolada de uma planta do gênero Galanthus, nativa da Rússia, Irã e Turquia (e que infelizmente não possui um nome comum em português, as vezes sendo confundida com a flor “Floco de Neve”). Essa substância foi chamada de Galantamina e também foi encontrada após alguns anos em outras plantas do gênero Lycoris. Ao se fazer uso, obtinha-se propriedades anestésicas, auxiliando no tratamento de dores neuropáticas, sendo testada para várias condições clínicas. Por volta de 1970, começou-se a usá-la para tratar “desorientações” e “delírios” na União Soviética, sem haver um entendimento com precisão de como ela agiria.

Somente em 1983, após um estudo provar que na Doença de Alzheimer há diminuição da ação de um neurotransmissor no Cérebro chamado Acetilcolina, a Galantamina passou a ser considerada como tratamento para o problema. No entanto, por ser de difícil aquisição, não foi rápida ou amplamente utilizada. Nos anos 1990, o problema quanto a produção da Galantamina foi solucionado, ao se conseguir sintetizar em laboratório a substância, barateando custos e aumentando o seu acesso, sendo então liberada para uso pelo FDA (Food and Drug Administration – Órgão regulador dos Estados Unidos) em 2000, após ampla pesquisa de eficácia no tratamento de Doença de Alzheimer, sendo a quarta medicação liberada para a Doença.

Apesar da Galantamina ser a primeira substância encontrada pela ciência capaz de auxiliar no tratamento da Doença de Alzheimer, há 3 outras substâncias que foram liberadas para uso antes dela.

Existiu um grupo de substâncias que ficaram conhecidas como “Inibidores da Colinesterase de Primeira Geração”: Tacrina, Fisostigmina, Velnacrina e Metrifonato. Destas substâncias, apenas a Tacrina obteve licença para uso terapêutico na Doença de Alzheimer, sendo a primeira medicação liberada. Ela foi criada sinteticamente em 1949 na Austrália e era usada em anestesia, combinada à morfina. Foi inicialmente comercializada para tratamento de Doença de Alzheimer em 1994 após aprovação do FDA, mas para obter efeito sob a doença havia a necessidade de uso de 04 doses diárias e apresentava efeitos colaterais frequentes, com alterações gastrointestinais e de fígado (hepatotoxicidade), sendo retirada do mercado em 2013 devido aparecimento de medicações com perfis melhores de uso.

Voltando um pouco no tempo, em 1983, após a constatação de que havia diminuição da atividade colinérgica no Cérebro de pacientes com Doença de Alzheimer, uma empresa japonesa chamada Eisai decidiu iniciar a pesquisa de uma substância que fosse capaz de manter a ação da Acetilcolina por mais tempo, prolongado seu efeito (semelhante ao que a Tacrina propôs). A história de sua criação envolve inclusive a constatação de demência em familiares da equipe de desenvolvimento da medicação, aumentando a carga emocional da necessidade de se alcançar o resultado esperado. Após diversos testes, a substância sintética Donepezila foi aprovada para uso para pacientes com Doença de Alzheimer em 1996, também pelo FDA. Foi a segunda medicação aprovada, apresentando melhor tolerabilidade que a Tacrina, com menos efeitos colaterais e sendo dose única diária, o que aumentou bastante a adesão ao tratamento dos pacientes. Atualmente, é uma das medicações mais utilizadas para tratamento de Doença de Alzheimer no mundo, tendo sido a 128ª medicação mais utilizada nos EUA em 2018, com mais de 5 milhões de prescrições.

Em 1985, a Professora Marta Weinstock-Rosin, do Departamento de Farmacologia da Universidade Hebraica de Jerusalém, iniciou a pesquisa de uma substância semi-sintética baseada na Fisostigmina, que também possuísse características capazes de inibir a destruição da Aceticolina, com intuito de postergar a piora do quadro clínico da Doença de Alzheimer. Esta substância semi-sintética ficou posteriormente conhecida como Rivastigmina, sendo aprovada para uso em pacientes em 1997 e se tornando a terceira medicação liberada. Posteriormente, a substância recebeu aprovação ainda para uso na Demência associada a Doença de Parkinson em 2006, e no ano seguinte se tornou a primeira medicação para Doença de Alzheimer de uso não-oral, a partir da formulação de um adesivo para pele que permite a absorção da substância, diminuindo efeitos colaterais gastrointestinais. É bastante importante ressaltar que a Professora Rosin é judia, nascida na Áustria e teve que fugir para a Inglaterra devido ao Holocausto, além disso, em 2014 ela recebeu o Prêmio de Medicina Israelense pelo estudo da Rivastigmina.

Até então, em nossa cronologia, mantivemos o foco em substâncias que atuam como Inibidoras da Colinesterase, principalmente após o estudo de 1983. No entanto, em 1968 uma outra substância foi criada com intuito de servir como anti-diabético, mas que não atingiu resultados significativos para este fim. O nome dessa substância é Memantina. Após alguns anos, notou-se que ela era capaz de agir no Cérebro, sendo inicialmente comercializada para “Demências” na Alemanha e vendida a partir de 1989. Só foi aprovada para uso nos EUA em 2003, quando estudos específicos para tratamento de Doença de Alzheimer foram realizados, tornando-se a quinta medicação liberada para uso. Foi a primeira medicação que não atua como Inibidora da Colinesterase, mas apresentando uma ação em outro receptor no Cérebro (Ação Anti-NMDA), só obtendo eficácia quando o quadro da Demência de Alzheimer está moderado a avançado e idealmente utilizada em concomitância a outras medicações.

Desde 2003, após a liberação da Memantina, não houve aprovação de uma medicação que pudesse ter alguma eficácia nos sintomas de Doença de Alzheimer. Na realidade, nunca houve medicação capaz de agir na causa direta do problema, de modo que todas as medicações descritas até aqui conseguem apenas dirimir a evolução do quadro diminuindo sintomas e postergando a progressão. Essa história começou a mudar em 2015, quando os estudos com um anticorpo monoclonal chamado Aducanumabe começaram. Inicialmente o estudo da substância passou pelas fases comuns de estudo de novas medicações, mas foi interrompido em Março de 2019 por não apresentar eficácia na dose inicial. Passado alguns meses, os estudos foram reiniciados com doses maiores e mostraram resultados ainda controversos. Até que em Junho de 2021 foi liberado pelo FDA no protocolo de “Aprovação Acelerada” após novos estudos mostrarem diminuição de acúmulo de proteínas causadoras da Doença de Alzheimer, sendo então a sexta medicação liberada e a primeira a atuar diretamente na causa do problema. Apesar da liberação, ainda há controvérsias quanto a medicação, com mais estudos sendo realizados no presente momento. Outro ponto importante desta medicação é o preço anual de US$ 50.000,00 (cinquenta mil dólares) e a necessidade de realização de um exame pouco disponível para iniciar seu uso: PET Scan Amilóide.

Além do Aducanumabe, outro anticorpo monoclonal está ainda em estudo para uma possível liberação futura, chamado Donanemabe. Esta substância teve seu estudo de fase 2 recentemente liberado (Maio de 2021) mostrando eficácia e iniciará a fase 3, sendo mais uma substância que poderá auxiliar no tratamento da Doença de Alzheimer em seu cerne, semelhante ao Aducanumabe.

Depois de tanto tempo tratando apenas as consequências, ter a possibilidade de tratar a causa do problema é um alento e uma possível luz no fim do túnel. Muitos pacientes sonham com a possibilidade de uma “vacina” para evitar o desenvolvimento da doença. Não creio que obteremos uma solução semelhante no futuro próximo, mas na opinião de quem lida com pacientes com Alzheimer diariamente, já fico muito feliz e satisfeito com a simples possibilidade de poder ajudar a apagar um incêndio, ao invés de apenas ficar diminuindo a fumaça. E quem sabe um dia não consigamos evitar que o incêndio se inicie.